Esta é uma série divida em três partes que resume as reflexões de uma investidora que pesquisa formas de ganhar dinheiro e proporcionar impacto positivo na sociedade.
Nesta parte 1, investigo o preço de nosso investimento e o perfil de investidores.
Revelo minha própria dissonância cognitiva, a lacuna entre o que falo e o que pratico a partir de uma decisão de investimento que fiz em 2002. Abordo também como nosso investimento ativa (ou não) outros tipos de capitais, além do capital financeiro.
Na parte 2, relato a busca por respostas sobre investimentos sustentáveis junto a instituições financeiras.
- Revelo dissonâncias de um entrevistado que trabalha no mercado financeiro e da Universidade de Harvard;
- Incluo reflexões em relação as promessas do novo sistema Open Banking;
- “Cisne verde” e os riscos de investimentos; e
- Perspectiva do mercado financeiro brasileiro a partir de questionamento a empreendedores durante evento (vídeo de 4 min).
Na parte 3, aprofundo discussão sobre como dar forma ao mercado de finanças sustentáveis e sermos sustentáveis
Todas as referências estarão listadas também neste último post.
Parte 1: Conhecendo os investidores e o preço de nosso investimento
Quantos são os investidores, globalmente e no Brasil?
Globalmente, em 2017, apenas 27% da população adulta declarou ter guardado ou economizado dinheiro nos últimos 12 meses de uma maneira formal. Como formal, refiro a economias que foram aplicadas em um banco ou em uma instituição financeira regulamentada como uma cooperativa de crédito ou instituição de microfinança.
Embora o dobro dessa população tenha acesso a uma conta em uma instituição, isso não quer dizer possibilidade de realizar economias. E as formas das economias são muito distintas, quando se compara os dados entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. É grande a desigualdade, como pode ser observada na figura.
No Brasil em específico, onde moro, um em cada três adultos sequer tem conta bancária. E quem tem conta, apenas 20% consegue realizar economias formalmente. Ou seja, apenas 13% da população adulta brasileira consegue ter acesso ao mercado financeiro. Faço parte desta elite privilegiada. E justamente por isso, tenho questionado meu papel como investidora e minha capacidade de indução de prosperidade. Passei a questionar e conversar com as instituições financeiras onde tenho recursos, para saber mais sobre como os mesmos são investidos
Mas isso é hábito recente.
No início dos anos 2000, aderi a um programa do governo federal que permitiu migrar parte de recursos do FGTS para compra de ações de empresas como Vale e Petrobrás. Apesar de certa aversão ao risco, escolhi migrar recursos para um plano FGTS Ações Vale com a expectativa de melhorar a rentabilidade do fundo.
Além do capital financeiro, que outros capitais nosso investimento ativa? Ou não ativa?
Foi apenas depois do crime ambiental em Mariana em 2015, onde 29 pessoas morreram, centenas de milhares afetadas e a natureza devastada, que acordei do transe que atribuiu valor apenas ao capital financeiro como critério de escolha de investimento. Investimento esse que teve impactos que arruinaram o capital humano, capital saúde, capital de infraestrutura, capital natural, capital psicológico, que geraram profundos traumas nos sobreviventes e na sociedade coletivamente…
Como mudar o mundo?
Há muitas maneiras de se mudar o mundo. Normalmente, as primeiras coisas que associamos são políticas para promover educação, saúde, trabalho, acesso a alimentação, água e saneamento. Acabamos projetando esse dever de “mudar o mundo” a alguém, no caso aos governos.
Mas e as instituições financeiras? E eu como investidora? A minha escolha de investimento promove prosperidade, inclusão social, aumenta a saúde da população?
Eu, como acionista da Vale, com contribuição de 0,000008% na mesma, fui corresponsável por mortes, sofrimento humano e degradação de todos aquelas outras expressões de capital em Mariana e em outros 38 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Corresponsável pela contaminação de mais de 600 km do rio Doce e seus afluentes até o Atlântico, e que causou rastro de destruição de fauna e flora em sua passagem.
Encarando a dissonância cognitiva: a lacuna entre a fala e a prática.
Mesmo assim, ainda hesitei em resgatar os recursos logo após o crime ambiental. Apego ao dinheiro? O preço das ações realmente desabou logo depois do acidente. Levei ainda um ano e meio (!) para solicitar resgate do FGTS e finalmente desinvestir em 2017.
Apesar do longo período, não fiquei monitorando ou analisando qual seria o melhor momento de venda e saída do fundo. Olhando para trás, percebo que não quis mesmo foi enxergar e encarar o impacto que gerei. Entrei no modus operandi de simplesmente “tocar” a vida e esquecer aquilo.
Hoje, expondo essa situação, não com a ótica de culpa, julgamento ou vergonha, mas acolhendo as limitações que tive na época, me faz me sentir inteira. Eu e nenhum ser humano somos perfeitos. Reconhecer a falha com autocompaixão e agir de forma diferente a partir dessa reflexão é o caminho.
“Quando me aceito como sou, então, posso mudar; curioso paradoxo”
Carl Rogers
Qual o preço do investimento?
Desde que o programa FGTS Vale foi criado em 2002 até 2019, os fundos valorizaram mais de 1.500% enquanto o fundo FGTS teve aumento de 231% no mesmo período.
Mas, de que vale a riqueza de um capital apenas, o financeiro, que privilegia apenas os acionistas enquanto 7 outros capitais são arruinados e prejudica toda a sociedade?
O preço do investimento é algo que até hoje tenho refletido.
E como fazer diferente?
Depois que tomei a decisão de desinvestir, a pergunta que tenho aprofundado é: e onde aplicar? Como posso fazer diferente?
Continue lendo… Parte 2: Busca por respostas sobre investimentos sustentáveis